segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ao poeta calado


Acalentaste os clamores da cidade
destilando ternuras do tédio que trai o dia.

Em teu canto
a matéria que gera vida
não sucumbe ao pranto,
alimenta um ardor que comove e abriga.

Jardineiro do silêncio,
plantaste olhares que lágrimas regam.
Colherás flores de esperança e afeto.

domingo, 27 de setembro de 2009

As melhores poesias de todos os tempos de hoje


Por muito tempo procurei a verdade
                                               Bertolt Brecht

1

Por muito tempo procurei a verdade sobre a vida dos homens entre si
Esta vida é muito complicada e difícil de compreender
Trabalhei duramente para compreendê-la, e então
Disse a verdade, como a encontrei.

2

Quando havia dito a verdade tão difícil de encontrar
Era uma verdade comum, que muitos disseram
(E nem todos acham tão difícil).

3

Pouco depois vieram pessoas em grande número, com pistolas distribuídas
E atiraram cegamente em todos que não tinham chapéus por serem pobres
E a todos que haviam dito a verdade sobre eles e os que os financiavam
Expulsaram do país no décimo quarto ano da nossa meia-República.

4

Tomaram-me minha pequena casa e meu carro
Que eu havia ganho com muito trabalho.
(Meus móveis ainda pude salvar.)

5

Ao cruzar a fronteira pensei:
Mais que de minha casa preciso da verdade.
Mas preciso também de minha casa. E desde então
A verdade é para mim como uma casa e um carro.
E eles me foram tomados.


Sobre a violência
                   Bertolt Brecht

A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito de rio que a contém
Ninguém chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?


quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Jane's ou Iggy?


No post anterior, eu disse que em novembro haverá um festival com Jane's Addiction e Faith no More.

Agora descobri que no mesmo dia - exatamente no mesmo dia - haverá outro festival com Primal Scream, Sonic Youth e - o melhor - Iggy Pop & The Stooges...

Inacreditável, os caras marcaram os dois festivais para o mesmo dia, em São Paulo. Um prejudica o outro, ambos perdem público.

E agora, qual a melhor pedida?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Lollapalooza no Brasil!


Grande notícia!

Perry Farrell, vocalista do Jane's Addiction, trará o Lollapalooza ao Brasil. Ainda não tem data ou local, mas é demais pensar que teremos aqui um dos melhores - se não o melhor - festivais de rock do mundo.

Vejam a notícia: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u627934.shtml.

Ah, em novembro teremos Jane's Addiction e Faith no More em Sampa, hein!

Bora lá?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A melhor poesia de todos os tempos de hoje


Meu irmão costuma garimpar vídeos de bandas na Internet. Quando ele disponibiliza algum vídeo no blog dele (Boteco do Ribeiro), o nome do post é "A melhor música de todos os tempos de hoje".

Gostei tanto que passarei a usar aqui, dando o devido crédito, mas sem pagar nenhum copyright.

Esta é a melhor poesia de todos os tempos de hoje. Do português José Régio.


Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Quem é o mestre?


Sempre quis aprender a tocar um instrumento. Gosto muito de música, desde o rock anos 60/70 até o jazz e o blues, desde a MPB até o trip hop.

Nas poucas vezes em que tentei, desisti rapidamente. Violão, violino, flughorn... Não passei de uns três meses. Sempre a mesma sensação de que não nasci para isso, não tenho ritmo nem afinação para cantar, não tenho a coordenação motora necessária... Sempre a sensação de incapacidade.

Olhando em retrospectiva, hoje acho que isso acontecia porque eu não queria apenas aprender a tocar - eu queria fazer parte do novo Led Zeppelin, ser o novo Hendrix, cantar como Eric Burdon. Imaginava pegar a estrada, fazer shows e me entupir de drogas. Ser mundialmente reconhecido e famoso. Como minha expectativa e autocrítica eram exacerbadas, nos primeiros terríveis acordes eu já achava que não daria certo. E a empolgação morria.

Agora, a história mudou. Com o tempo, percebi que não é preciso ser reconhecido ou famoso mundialmente. Não é preciso sequer ser muito bom no instrumento. Só é preciso curtir, estar feliz por tirar som daquele objeto que estamos manuseando. A experiência beneficia sobretudo quem a experimenta. Se os outros, que a assistem, estarão lá ou não, são outros quinhentos. É consequência.

Como eu percebi isso? Certo dia, encontrei uma ex-namorada que não via há tempos, e ela me disse que os poemas que eu escrevia - e que jamais foram publicados - a haviam feito mudar de vida e decidir trabalhar ensinando arte a crianças carentes. Em outra ocasião, outra amiga me disse que os filmes e os diretores de cinema que eu apresentei a ela ajudaram-na a conseguir um emprego em uma locadora de vídeo. Uma amiga e um amigo se casaram depois que eu a indiquei para um emprego onde ele trabalhava. E por aí vai.

Esses pequenos e grandiosos fatos, que acontecem em nossa vida conforme amadurecemos, mostraram a mim que somos todos mestres, e não apenas aqueles que alcançam sucesso e reconhecimento internacional. Somos mestres de nós mesmos. Se eu me tornar mestre de mim, tentando realizar o que me faz feliz - como tocar um instrumento, por exemplo -, eu poderei irradiar felicidade e amor para aqueles que estão a minha volta, e poderei ajudá-los. Eu serei o maestro de minha vida, que, se bem regida, pode ajudar toda a orquestra da qual eu faço parte a alcançar a harmonia.

É por isso que hoje à noite começarei as aulas de piano. Se eu aprender a tocar a música do danoninho, já está valendo. 



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Astrologia e a Educação

Nesta fase da vida em que me encontro, dando um megulho em mim para saber um pouco melhor quem eu sou, uma das atividades que mais me têm dado prazer é o estudo da astrologia. Estou fazendo um curso básico com uma astróloga aqui do bairro, muito competente e gente finíssima.

Fico triste apenas por não poder dedicar mais tempo ao estudo, em casa, dada a avalanche de trabalhos, remunerados ou voluntários, quem vem assolando minha vida, para o bem e para o mal. Mas, aos poucos, vou chegando lá.

Minha professora emprestou-me os livros Astrologia, psicologia e os quatro elementos, de Stephen Arroyo, e As doze casas, de Howard Sasportas. Eles devem ajudar-me na tarefa de interpretar meu mapa natal e apresentar para o grupo. Às vezes dá nó na cabeça, mas acho que tenho conseguido avançar.

O caso é que ontem eu fiquei lendo o livro do Arroyo enquanto esperava a Júlia sair do balé - ela tem 12 anos e está enlevada com a dança! O autor explica que certos signos correspondem, de certa forma, às nossas fases de educação e "crescimento mental-espiritual". Vejam os trechos a seguir.

VIRGEM representa o período de serviços prestados à sociedade, a aprendizagem com um mestre na profissão com a qual a pessoa ganhará seu sustento e o contato inicial com o mundo prático, cotidiano do trabalho pesado, dos deveres e das responsabilidades. Essa fase de crescimento pessoal é quase inteiramente esquecida na nossa cultura. Daí acontecer que temos milhares - talvez milhões - de pessoas jovens, com curso superior, que recebem o diploma e ficam estarrecidas ao perceber que não têm possibilidade realmente de fazer nada. Sua educação superior lhes encheu as cabeças com volumes de ideias inúteis e, frequentemente, impraticáveis; e nesse meio-tempo eles não adquiriram nenhuma habilidade real, com a qual pudessem por em prática os conhecimentos teóricos. Uma vez que muitos desses indivíduos agora são, no mínimo amadores eruditos ou intelectuais, torna-se difícil e frustrante recuarem da fase da nona Casa, da educação superior, para a fase da sexta Casa, da labuta e da servidão. (...)

SAGITÁRIO simboliza a fase de desenvolvimento que se desenrola naturalmente a partir da fase Virgem de aprendizagem. Frequentemente se diz que Sagitário e a nona Casa representam a "educação superior"; mas, no geral, esse signo simboliza a conquista da perícia pessoal no campo escolhido, quer sua manifestação seja sob a forma de um artesão perito ou de um profissional de uma das profissões que são gabadas com tanto alarde. Essa é uma fase de educação individual em que começamos a ter um efeito marcante sobre o mundo em geral, quer ensinando novos aprendizes, quer publicando o fruto dos nossos trabalhos, ou então estabelecendo normas para as gerações futuras. Portanto, essa fase de desenvolvimento tanto inclui o aprender (no sentido de aperfeiçoar o nosso trabalho, o nosso caráter e os nossos ideiais) quanto o dispor daquilo que aprendemos. Nos Estados Unidos, na educação tradicional, presumimos, erroneamente, que alguém com um diploma de doutor em filosofia ou em medicina, ou qualquer outro título, é um mestre no seu campo. Esquecemos o fato de que a verdadeira perícia de mestre só vem depois de um período de rigorosa autodisciplina, de trabalho fatigante e meticuloso, e do desenvolvimento gradual da humildade, baseada na percepção de que a pessoa nada poderia saber, realmente, sem o trabalho dos seus predecessores. Só porque canalizamos as pessoas, o mais rapidamente possível, através de todos os tipos de programas educativos, a fim de "produzir" tantos doutores em filosofia ou em medicina, isso não significa que tenhamos enriquecido nossa cultura com um número igual de verdadeiros mestres. Nós sacrificamos a qualidade pela quantidade simplesmente para manter a ilusão de que a excelência pode ser comprada por um preço barato.

O livro é de 1975.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Padrão


redimido

poupo restos reclamados

fogo-fátuo
deixo rasto de passado
em seu olfato

troco de roupa como de corpo

mais um cigarro aceso

a coxa entreaberta
não cicatrizada

depois apago

o corpo não tem tato

(Mais um da época dos vinte e poucos anos.)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ferreira Gullar

Um dos melhores poetas nacionais! Visceral.

Estes foram pinçados do livro Toda Poesia, mas são originalmente do A Luta Corporal. Trata-se de trechos do poema Sete Poemas Portugueses.


4

Nada vos oferto
além destas mortes
de que me alimento

Caminhos não há
mas os pés na grama
os inventarão

Aqui se inicia
uma viagem clara
para a encantação

Fonte, flor em fogo,
que é que nos espera
por detrás da noite?

Nada vos sovino:
com a minha incerteza
vos ilumino

6

Calco sob os pés sórdidos o mito
que os céus segura - e sobre um caos me assento.
Piso a manhã caída no cimento
como flor violentada. Anjo maldito,

(pretendi devassar o nascimento
da terrível magia) agora hesito,
e queimo - e tudo é o desmoronamento
do mistério que sofro e necessito.

Hesito, é certo, mas aguardo o assombro
com que verei descer de céus remotos
o raio que me fenderá no ombro.

Vinda a paz, rosa-após dos terremotos,
eu mesmo juntarei a estrela ou a pedra
que de mim reste sob os meus escombros.

domingo, 13 de setembro de 2009

Tomando refúgio

Conheci o budismo quando tinha uns 20 anos. Eu era um leitor voraz - hoje consigo menos tempo, mas ainda leio muito - e resolvi conhecer um pouco da obra do alemão Hermann Hesse. Li primeiro O lobo da estepe, um de meus livros prediletos. Depois li Siddharta e Minha vida. E é aí que começa o assunto deste texto.

Hesse passou parte de sua vida na Índia, onde tomou contato com o budismo e o bramanismo. Não encontrou as respostas que procurava, mas gostou do que viu. Em Siddharta, ele faz uma narrativa ficcional em que conta parte da vida do Buda histórico, o príncipe Sidarta Gautama, que abdicou de sua vida abastada quando conheceu o sofrimento humano. Ele meditou até atingir a iluminação. Seu ensinamentos deram início às tradições e escolas budistas. Em Minha vida, ele conta suas experiências relacionadas às religiões orientais.

Esses livros despertaram em mim uma simpatia pelo budismo, um desejo de conhecê-lo. Mas eu era bem jovem e segui outros rumos.

Tempos depois, cerca de quatro anos atrás, fiz uma amizade muito bela e sincera com uma colega de trabalho, a Carline, que enveredava pelos ensinamentos do budismo. Conversamos muitas vezes sobre isso, e em diversas ocasiões estive prestes a ir ao local onde ela realizava suas práticas, um centro budista na cidade de São Paulo. Acabei não indo, mas foi ela quem plantou a sementinha em mim, e a ela eu devo essa minha iniciação no caminho.

Quando veio a mudança para Botucatu, no fim do ano passado, eu tive a certeza de que não levaria isso à frente. Eu iria morar em um bairro com grande influência da antroposofia, uma belíssima ciência espiritual desenvolvida pelo austríaco Rudolf Steiner... Buscando uma vida mais digna, mais condizente com meus valores e meu espírito. Enfim...

Aí veio a surpresa. Não é que, poucos meses depois de me mudar, recebo um email de um grupo de estudos budistas? Um centro da escola Karma Kagyu - uma das mais tradicionais escolas budistas - sediado justamente em Botucatu!

É o único centro Kagyu em uma cidade de interior em todo o Brasil. Coincidência? Sei não...

Agora, estou frequentando os encontros, meditando com esse pessoal e lendo muito sobre budismo. Comecei, também, a Prática do Pequeno Refúgio, uma espécie de iniciação para testar e fortalecer minha vontade de praticar em minha vida os ensinamentos da escola. No Pequeno Refúgio, afirmo para mim que desejo tomar refúgio no Lama, em Buda, no Dharma e nos Bodhisattvas.

Tomar refúgio significa "despositar suas esperanças e expectativas", é como reafirmar que você acredita naquele caminho para sua vida. O Lama, no caso dessa prática, nessa escola budista, é o XVII Karmapa - ou seja, o Lama que era a décima sétima encarnação do primeiro Karmapa, que foi o primeiro lama tibetano a reencarnar conscientemente. Buda é o Buda histórico, Sidarta Gautama. O Dharma é o conjunto de ensinamentos budistas. Os Bodhisattvas são nossos amigos no caminho, aqueles que já alcançaram certo desenvolvimento e nos ajudam em nossa trajetória.

Na Prática do Pequeno Refúgio, repetimos diversas vezes, em voz alta, nosso desejo de tomar refúgio no Lama, em Buda, no Dharma e nos Bodhisattvas, por bastante tempo. É incrível, eu sinto muuuuuuito calor durante a prática. Parece que meu corpo se aquece imensamente, começo a suar em bicas e, no momento em que a prática termina, esse calor cessa. Realmente impressionante, uma energia bem forte.

Esse começo de caminhada no budismo tem sido muito agradável e muito desafiador, também, pois reforça em mim o desejo de rever algumas posturas e hábitos dos quais eu já queria me livrar há tempos. Ao mesmo tempo, por não ostentar dogmas punitivos e hierarquias ditatoriais, sabe muito bem a um cara como eu, que sempre se inclinou mais à esquerda e à desobediência civil, apesar de minha completa inabilidade para enfrentamentos e minha tendência natural para a diplomacia, para o apaziguamento dos ânimos. Talvez seja um caminho para praticar a liberdade associada à compaixão - ou seja, uma esquerda sem ditadura.

Veremos. Por hora, tem sido muito gratificante.

Namastê!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Dez anos depois


I

Fui um dia sempre cético.

Três ave-marias e dois pais-nossos
que estais no céu:
Deus me livre!

Casa-trabalho-frela-crianças-benhê!!!
Eu é que nunca,
quimera.

Rapaz comportado a puta-que-o-pariu!

Pra mim, prazer.
Rage Against the Machine,
despertencer.

Vômito-sexo-vodka-Marx-maconha
eu ia dizendo.

Não necessariamente nessa ordem.

II

Rompi com meu umbigo
e a razão é de Raul,
o zito.

Metamorfose
das plantas
dos animais
da alma:
ciência não explica.

Metamorfoseio eu,
que nunca fui covarde.

Que não sou homem de palavra
- de palavras.

O avesso do avesso.

Não o de Caetano,
que fique bem entendido.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Recado aos amigos que me querem no Twitter

Eu tu wito
Tu tu witas
Ele tu wita
(...)

Este verbo não se conjuga no plural.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Dia triste

"As árvores são solo em pé", diria o professor João, um grande mestre que tive no curso de agricultura biodinâmica, aqui no bairro, com quem ainda tenho o prazer de trocar umas palavras vez ou outra.

Estudando agricultura e sistemas agroflorestais, sustentabilidade e budismo, antroposofia e biologia, aprendi a respeitar demais as árvores. Morando aqui na Demétria, um lugar muito especial, aprendi a amá-las.

Na frente de casa há uma jurubeba. Ela é linda, aninha passarinhos e abriga morcegos à noite, além de nos presentear com a delicadeza de suas flores e frutos. É uma grande companheira.

Aqui está, apesar de as fotos não fazerem jus a ela.





Talvez ontem ela tenha morrido. O temporal que deu aqui partiu ela ao meio. Senti como se eu tivesse partido ao meio.

Acho que finalmente começo a entender o que significa a palavra vida. Não está nos dicionários ou nas gramáticas, não se aprende nas aulas de biologia ou de química orgânica. É outra coisa, muito mais sutil e profunda.

Agora, que a chuva deu um tempo, estou indo atrás de umas estacas. A ideia é levantá-la (a copa foi parar no chão) e amarrar os três pedaços em que seu tronco se dividiu. Será que uma fênix virá abençoá-la?

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Carcomido

Lembrança acalentada
queima a entranha

Bílis na garganta
um gosto insensato
de passado

Carcomido

Só um blues que desatasse os laços
costurasse os trapos
desgarrados

Ah! Essa melodia rasteira
vida cozida em banho-maria

à espreita

Invadiu a casa
transbordou as paredes
alojou na sétima vértebra
a existência ruminada


(Esse foi cometido aos vinte e poucos anos)

Manoel de Barros

Poeta pantaneiro. Estes são trechos de poemas do O livro das ignorãças.

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.

3.5

A lua faz silêncio para os pássaros,
- eu escuto esse escândalo!
Um perfume vermelho me pensou.
(Eu contamino a luz do anoitecer?)
Esses vazios me restritam mais.
Alguns pedaços de mim já são desterro.
......................................................................
(É a sensatez que aumenta os absurdos?)
De noite bebo água de merenda.
Me mantimento de ventos.
Descomo sem opulências...
Desculpe a delicadeza.

VII

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores suspresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.

XII

Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:
I abridor de amanhecer
I prego que farfalha
I encolhedor de rios - e
I esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?)

domingo, 6 de setembro de 2009

Nós e os animais

O trecho abaixo faz parte de um ensaio do escritor inglês Julian Barnes, presente no livro Não há o que temer, da editora Rocco. Na verdade, não gostei do ensaio como um todo nem da postura do autor. Até me deixou irritado.

Obviamente, isso significa que mexeu comigo de alguma forma. Ele é ácido e sarcástico. Mas esse trecho é mesmo pra pensar a respeito. Deem uma olhada. Eu li na edição de agosto da revista piauí.

"(...) Na Idade Média, costumavam mandar animais a julgamento - gafanhotos que destruíam plantações, carunchos que destruíam as vigas das igrejas, porcos que jantavam bêbados caídos na sarjeta. Às vezes, o animal era levado ao tribunal, às vezes (como acontecia com insetos) era julgado necessariamente in absentia. Havia um julgamento completo, com promotoria, defesa e um juiz de toga, que podia ordenar uma variedade de punições - liberdade condicional, banimento, inclusive excomunhão. Às vezes até mesmo execução judicial: um porco podia ser enforcado por um funcionário do tribunal de luvas e capuz.

"Tudo isso parece - agora, para nós - incrivelmente estúpido, uma expressão da incompreensível mente medieval. Entretanto, era perfeitamente racional e perfeitamente civilizado. O mundo foi feito por Deus, e, portanto, tudo o que acontecia nele ou era uma expressão do desígnio divino ou uma consequência do livre-arbítrio que Deus concedeu à Sua criação. Em alguns casos, Deus podia utilizar o reino animal para castigar Sua criação humana: por exemplo, mandando uma praga de gafanhotos, que o tribunal tinha, portanto, a obrigação legal de declarar inocentes. Mas e se um bêbado caía numa vala, tinha a metade do rosto comido por um porco e o ato não podia ser interpretado como ordenado por Deus? Era preciso encontrar outra explicação. Talvez o porco estivesse possuído pelo demônio, que o tribunal poderia expulsar. Ou talvez o porco, embora não tivesse livre-arbítrio, pudesse ser, mesmo assim, considerado responsável pelo que tinha acontecido.

"Para nós, isto pode parecer mais uma prova da engenhosa bestialidade humana. Entretanto, há outra maneira de interpretar: como uma elevação do status dos animais. Eles eram parte da criação de Deus e dos desígnios de Deus, não simplesmente colocados na Terra para prazer e uso do Homem. As autoridades medievais levavam os animais a julgamento e avaliavam seriamente seus atos criminosos; nós colocamos animais em campos de concentração, os enchemos de hormônios e os retalhamos de forma que eles nos façam lembrar o mínimo possível algo que um dia grasnou ou baliu ou mugiu. Qual dos mundos é o mais sério? Qual o mais avançado moralmente?"

Seria cômico, se não fosse trágico, não é?

O porquê do título

Fruto de meus 19 anos, mais ou menos. Homenagem aos poetas que mais admirava naquela época. Gente como Drummond, Pessoa, Cecília Meireles...


CORAÇÃO NA PRAIA

I

Do desejo embebido no tédio
construo um Ideal sem amargura
nem realização.

Arranco à Peste meus disfarces,
e passeio despojado em meio à turba.

Sozinho como se soubesse que ninguém retornou.

Faço extinto o prazer - quero estar só -
e num momento retomo a realidade
com certa satisfação.

Saio de um torpor matutino
e reconheço que nem isso importa,
já que estou com pressa e me esperam na repartição.

Consciente como se tivesse perdido uma batalha.

Não reclamo, não me escondo,
trabalho secretamente meu Ideal,
barco à deriva, volúpia explodindo,
cabelo ao vento e coração na praia.

Perdido como se soubesse aonde vou.

II

Atravesso o dia em passos retos
e estreito a distância entre o desgosto e a noite.

Perambulo ébrio na espiral do degredo
e me perco, me exponho,
visto meu disfarce noturno,
menos mito mais véu,
e coleciono Deuses em rituais profanos.

Ferido como se amasse a navalha que cortou.

Fel ou felicidade,
desespero ou consonância...
Não importa.

Sou poeta mas não finjo,
perdi o destino mas sigo um Ideal.

E baixados os panos, finda a peça,
vou tomar um porre,
depois inauguro outro Teatro
e não falto aos ensaios.

Culpa do meu irmão

Sempre pensei se queria ou não criar um blog. Gosto de escrever, mas sempre suspeitei de que não tenho nada interessante a contar.

O fato é que meu irmão me encheu o picuá pra fazer um blog meu. Pensei: "Bom, pelo menos ele vai ler". Como estamos longe, agora - ele mora em Sampa -, é um jeito de sabermos um do outro. O resto é lucro.

Então taí.