sábado, 21 de novembro de 2009

Ajudemos Bat Nha

Thich Nhat Hanh é um moge budista vietnamita que dissemina belíssimos textos sobre o budismo, além de ser um pacifista, indicado ao Nobel da Paz por Martin Luther King, em 1967. Os livros dele são de uma clareza e uma profundidade arrebatadoras.

Após visitar, em missão de paz, os Estados Unidos e a Europa, ele foi expulso do Vietnã pelo governo comunista e ficou 40 anos sem poder voltar.

Quando voltou, inspirou milhares de pessoas em seu país e recebeu o monastério de Bat Nha para acomodar seus seguidores. Monges e monjas passaram a estudar e praticar o budismo lá, mantendo essa cultura pacifista.

Então os governantes agiram: a polícia, apoiada por parte das comunidades locais, desalojou e agrediu os monges e monjas, além de destruir as imagens e textos sagrados. Eles se refugiaram em outro pequeno monastério, resistindo às ordens da polícia, que diz a eles que se dispersem e voltem às suas regiões de origem.

Vejam o vídeo abaixo, que conta essa triste história.





As melhores poesias de todos os tempos de hoje

Dois da Martha Medeiros, do livro Cartas extraviadas e outros poemas.


85.

quando se é jovem veste-se a liberdade de jeans
estrada, sexo, rebeldia e vertigem
quando já não se é, deseja-se uma liberdade undress
nudez, nenhum comportamento para vestir


110.

o tempo é uma roldana

a cabeça anda pra frente,
desenvolve

e o corpo anda pra trás,
desmorona

inexplicável
a vida engrena

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Poema a cinco mãos

Eu tinha 19 anos. Do nada, resolvemos ir à Praia Grande. Eu, Rodrigo Brasil, Rodrigo Petrônio, Flavia Rocha e Franco Marino. Se não me engano, num Fiat 147, com um aparelho de som na traseira do carro.

Éramos cinco grandes amigos, e costumávamos nos reunir para ler poemas uns dos outros e de autores consagrados, conversar principalmente sobre literatura e, claro, fetejar a vida.

No meio do caminho, papel e caneta, cada um escrevendo uma, duas frases, saiu este que vocês podem ler.


Por trás de óculos marrons

(marrons, pretos, não importa)
Vejo a vida acidentada

Afirmo que nada importa
Se o máximo não for o mínimo

Nunca sejas um desuniverso
Junta-te a teu reverso
e faça um verso
imerso em ti

Não temas o instante
A eternidade passa em segundos
(tens todos os segundos...)

Não te queixes, não te escondas
Desperta e recita
E tua tristeza será saciada

Os suicidas nunca tiveram razão
E um poema a cinco mãos
basta para justificar a vida

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sociabilidade


Se bem que não,
nenhuma desavença

voz elevada à ameaça,
certo olho cínico
ou o gesto desmedido,

vão

na verdade,
a incomunicabilidade

a palavra refreada,
quase ausente

o silêncio mundo
cão

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Em defesa do romance


Esse é o nome do artigo do Mario Vargas Llosa na edição deste mês da revista piauí. Ler essa revista é um grande prazer. Ela traz pontos de vista quase antropológicos, me levando a experimentar outras vidas, conhecer detalhes inimagináveis de possibilidades de vida de outros seres humanos. Fora o bom humor, a tiração de sarro. Viver sorrindo é o melhor jeito de passar por este mundo, não acham?

O artigo em questão, um dos mais belos que pude ler nos últimos tempos, é uma defesa veemente e poética da literatura como algo essencial para o ser humano. Deem uma olhada no trecho abaixo pra sentir um cheirinho do texto.


À diferença  do gorjeio dos pássaros ou do espetáculo do sol fundindo-se no horizonte, um poema, um romance não estão pura e simplesmente ali, fabricados por acaso ou pela natureza. São uma criação humana, e é lícito perguntar como e por que nasceram, e o que deram à humanidade para que a literatura, cujas origens remotas se confundem com as da escrita, tenha durado tanto tempo. Nasceram como fantasmas incertos, no íntimo de uma consciência, projetados a ela pelas forças conjugadas do inconsciente, de uma sensibilidade e de algumas emoções, a que, numa luta às vezes implacável com as palavras, o poeta, o narrador, deram forma, corpo, movimento, ritmo, harmonia, vida. Uma vida artificial, feita com a linguagem e a fantasia, que coexiste com a outra, a real, desde tempos imemoriais, e à qual acorrem homens e mulheres porque a vida que têm não lhes basta, não é capaz de oferecer tudo aquilo que gostariam de ter. O romance não começa a existir quando nasce, por obra de um indivíduo; só existe realmente quando é adotado pelos outros e passa a fazer parte da vida social, quando se torna, graças à leitura, experiência partilhada.

Um dos primeiros efeitos benéficos se verifica no plano da linguagem. Uma comunidade sem literatura escrita se exprime com menos precisão, riqueza de nuances e clareza do que outra cujo instrumento principal de comunicação, a palavra, foi cultivado e aperfeiçoado graças aos textos literários. Uma humanidade sem romances, não contaminada pela literatura, se pareceria com uma comunidade de tartamudos e afásicos, atormentada por problemas terríveis de comunicação causados por uma linguagem ordinária e rudimentar.

Isso vale também para os indivíduos, obviamente. Uma pessoa que não lê, ou que lê pouco, ou que lê apenas porcarias, pode falar muito, mas dirá sempre poucas coisas, porque para se exprimir dispõe de um repertório reduzido e inadequado de vocábulos. Não se trata apenas de um limite verbal; é, a um só tempo, um limite intelectual e de horizonte imaginário, uma indigência de pensamentos e de conhecimentos, porque as ideias, os conceitos, mediante os quais nos apropriamos da realidade e dos segredos da nossa condição, não existem dissociados das palavras, por meio das quais as reconhece e define a consciência. Aprende-se a falar com precisão, com profundidade, com rigor e agudeza, graças à boa literatura, e apenas graças a ela.

Nenhuma outra disciplina, nenhum outro ramo das artes, pode substituir a literatura na formação da linguagem com que as pessoas se comunicam. Os conhecimentos que nos transmitem os manuais científicos e os tratados técnicos são fundamentais; mas eles não nos ensinam a dominar as palavras nem a exprimi-las com propriedade: pelo contrário, amiúde são mal escritos e revelam certa confusão linguística porque os autores, às vezes eminências indiscutíveis em sua profissão, são literariamente incultos e não sabem se servir da linguagem para comunicar os tesouros conceituais de que são detentores. Falar bem, dispor de uma linguagem rica e variada, encontrar a expressão adequada para cada ideia ou emoção que se queira comunicar, significa estar mais preparado para pensar, ensinar, aprender, dialogar e, também, para fantasiar, sonhar, sentir e emocionar-se.

De uma maneira sub-reptícia, as palavras reverberam em todas as ações da vida, até mesmo nas que parecem muito distantes da linguagem. Isso, na medida em que, graças à literatura, evoluiu até níveis elevados de refinamento e de sutileza nas nuances, elevou as possibilidades da fruição humana e, com relação ao amor, sublimou os desejos e alçou à categoria de criação artística o ato sexual. Sem a literatura não existiria o erotismo. O amor e o prazer seriam mais pobres, privados de delicadeza e de distinção, da intensidade a que chegam todos aqueles que se educaram e estimularam com a sensibilidade e as fantasias literárias. Não é exagero afirmar que um casal que haja lido Garcilaso, Petrarca, Góngora e Baudelaire ama e usufrui mais do que outro, de analfabetos semi-idiotizados pelas séries de televisão. Em um mundo iletrado, o amor e a fruição não poderiam ser diferenciados daqueles que satisfazem os animais, não iriam além da mera satisfação dos instintos elementares: copular e devorar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O revolucionário


Perdi o medo
Tranco meu castelo no pensamento

Acredito na dor
mas não consinto desespero

Indiferente?
Apenas protejo meus companheiros

Reajo aos poucos, não sou violento

Não creio
mas confiança é minha arma

Encontro consolo: sin perder la ternura jamás
Abandono o destempero

Não choro: anoiteço


sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Somente os uísques são felizes


Esse é o nome da peça escrita e dirigida pelo meu irmão que está em cartaz em Sampa. Quem puder, vá prestigiá-lo.

Ah, só não esperem exatamente algo como uma comédia de costumes ou um pastelão...

SOMENTE OS UÍSQUES SÃO FELIZES



Um homem precisa juntar 13 bitucas de cigarro para salvar a humanidade do juízo final. Faltando apenas uma, ele se vê preso em um aposento depois que a chave foi comida por um pássaro de pelúcia com prisão de ventre.


















Texto e direção: Cesar Ribeiro

Com: Ulisses Sakurai, Sergio Silva Coelho e Priscilla Maia

Fotos: Nelson Kao

Design gráfico: Diego Bianchi














Duração: 60 minutos

Idade: 12 anos

Drama cômico

Lotação: 60 lugares

R$ 20 (estudantes e classe teatral pagam 10 mangos, mas se você não está em nenhum desses grupos e quer pagar meia entrada, é só mandar email para cesarribeiroteatro@uol.com.br pedindo para entrar na LISTA CAMARADA. Os descontos ficarão disponíveis na bilheteria do teatro durante toda a temporada)














5 de setembro a 25 de outubro

sábados e domingos 18h30


















Espaço dos Satyros 2

Praça Roosevelt, 134

Tel: 3258.6345

CONTATOS:

blog
BOTECO DO RIBEIRO (aí do lado na lista de blogs comrads)

twitter

orkut

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A melhor poesia de todos os tempos de hoje


Muito difícil escolher só uma do Drummond. Pego a Poesia Completa dele, vou lendo e não dá vontade de parar. Se pudesse, colocava o livro inteiro aqui.

Sigo relendo, saboreando, e me lembro de como eu degustava Drummond, quando tinha meus vinte anos. Só percebo agora o quanto ele influenciou tudo o que escrevi e ainda escrevo - não só meus poemas, mas meu jeito de escolher palavras, antes disso, de pensar o que pretendo escrever.

Pra mim, ele é um grande mestre. Uma dessas pessoas que conseguem pegar o mundo e traduzir em palavras. A gente lê e enxerga o que está lendo. Uma das melhores sensações que existem.

Então vá lá. Já que é pra escolher um, será logo o primeiro do livro. Um clássico, que veio ao mundo no livro Alguma Poesia, de 1930, o primeiro escrito pelo Drummond.

Alguém que começa sua carreira poética com esse poema não é brincadeira, né não?


Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Cultivando as sementes saudáveis


A consciência existe em dois níveis, como sementes e como manifestações dessas sementes. Suponhamos que haja em nós uma semente de raiva. Se as condições forem favoráveis, essa semente pode se manifestar como uma zona de energia chamada raiva. Ela arde e nos faz sofrer muito. É muito difícil que possamos sentir alegria no momento em que se manifesta a semente da raiva.

Cada vez que uma semente tem oportunidade de se manifestar, ela produz novas sementes da mesma espécie. Se sentirmos raiva por cinco minutos, novas sementes de raiva serão produzidas e semeadas no solo do nosso inconsciente naqueles cinco minutos. É por isso que temos de ter cuidado ao selecionar o tipo de vida que levamos e as emoções que expressamos. Quando eu sorrio, as sementes do sorriso e da alegria estão brotando. Enquanto elas se manifestarem, novas sementes de sorriso e de alegria estarão sendo plantadas. Se eu, no entanto, não praticar o sorriso por alguns anos, essa semente se enfraquecerá, e eu talvez não consiga mais sorrir.

Há muitos tipos de sementes em nós, boas e más. Algumas foram plantadas durante nossa vida, e transmitidas por nossos pais, nossos antepassados, nossa sociedade. Num minúsculo grão de milho existe o conhecimento, transmitido pelas gerações anteriores, de como brotar e produzir folhas, flores e espigas. Nosso corpo e nossa mente também têm conhecimentos que lhes foram transmitidos por gerações anteriores. Nossos ancestrais e nossos pais nos legaram sementes de alegria, paz e felicidade, bem como sementes de tristeza, raiva e assim por diante.

Cada vez que praticamos viver em plena consciência, plantamos sementes saudáveis e fortalecemos as sementes saudáveis que já estão em nós. As sementes saudáveis funcionam de forma semelhante à dos anticorpos. Quando um vírus penetra em nossa corrente sangüínea, nosso corpo reage, e os anticorpos vêm cercá-lo, cuidar dele e transformá-lo. O mesmo vale para nossas sementes psicológicas. Se plantarmos sementes revigorantes, salutares, curativas, elas tomarão conta das sementes negativas, mesmo que não lhes peçamos nada. Para que isso ocorra, precisamos cultivar uma boa reserva de sementes renovadoras.

Um dia, na aldeia em que moro, perdemos um amigo muito íntimo, um francês que nos ajudou bastante na instalação de Plum Village. Ele teve um ataque cardíaco e morreu durante a noite. Pela manhã soubemos do falecimento. Ele era uma pessoa extremamente afável e nos dava muita alegria sempre que passávamos alguns minutos com ele. Para nós, ele era a própria alegria e paz. Na manhã em que soubemos da sua morte, lamentamos muito não termos passado mais tempo com ele.

Naquela noite, eu não conseguia dormir. A perda de um amigo como esse me doía muito. Mas eu tinha de fazer uma conferência na manhã seguinte e precisava dormir. Por isso, pratiquei a respiração. Era uma noite fria de inverno, e eu estava deitado na cama visualizando as belas árvores do quintal da minha ermida. Anos antes, eu plantara três lindos cedros de uma variedade encontrada no Himalaia. As árvores agora estavam bem altas; e, durante a meditação andando, eu costumava parar para abraçar esses lindos cedros, inspirando e expirando. Os cedros sempre correspondiam ao meu abraço, disso tenho certeza. Fiquei, assim, deitado na cama, só inspirando e expirando, tornando-me um com a respiração e com os cedros. Senti-me muito melhor, mas mesmo assim não conseguia dormir. Afinal, invoquei ao meu consciente a imagem de uma adorável menina vietnamita chamada Pequeno Bambu. Ela chegou à Plum Village quando tinha dois anos de idade, e era tão mimosa que todos queriam segurá-la no colo, especialmente as crianças. Elas não deixavam Pequeno Bambu andar no chão! Agora ela está com seis anos, e ao abraçá-la todos se sentem renovados, maravilhados. Foi assim que a convidei a surgir no meu consciente e pratiquei a respiração e o sorriso diante da sua imagem. Em alguns instantes, adormeci profundamente.

Cada um de nós precisa de uma reserva de sementes que sejam belas, saudáveis e fortes o suficiente para nos ajudar nos momentos difíceis. Às vezes, como a dor em nós é muito forte e concreta, mesmo que tenhamos uma flor à nossa frente, não conseguimos tocá-la. Nesse momento, sabemos que precisamos de ajuda. Se tivermos um depósito repleto de sementes saudáveis, podemos convocar algumas delas a se apresentarem para nos ajudar. Se você tem uma amiga muito próxima que o compreenda bem, se você sabe que sentado ao seu lado, mesmo sem dizer nada você se sente melhor, poderá trazer essa imagem à sua consciência, e vocês dois poderão “respirar juntos". Só isso já pode ser uma grande ajuda em momentos difíceis.

Se você não vê essa amiga há muito tempo, sua imagem pode estar muito apagada para lhe ocorrer facilmente. Se você sabe que ela é a única pessoa que pode ajudá-lo a recuperar seu equilíbrio e se sua imagem dela já estiver muito fraca, só há uma coisa a fazer: compre uma passagem e vá vê-la, para que ela esteja com você não como uma semente, mas como uma pessoa real.

Se você for até ela, deverá saber como passar bem o tempo, porque ele será limitado. Quando chegar, sente-se perto dela, e de imediato se sentirá mais forte. Você sabe, também, que logo terá de voltar para casa. Por isso, precisa aproveitar a oportunidade para praticar a plena consciência em cada precioso momento em que estiver ali. Sua amiga pode ajudá-lo a recuperar o equilíbrio interno, mas isso não basta. Você mesmo deve se fortalecer no íntimo para que se sinta bem quando se encontrar sozinho novamente. É por isso que, sentado ao seu lado ou caminhando com ela, você precisa praticar a plena consciência. Se não o fizer, se apenas usar sua presença para amenizar o sofrimento, a semente da sua imagem não se fortalecerá o bastante para apoiá-lo quando você estiver de volta à sua casa. Precisamos praticar a plena consciência o tempo todo para plantar em nós mesmos sementes renovadoras, curativas. Mais tarde, quando precisarmos delas, elas cuidarão de nós.

O que não está errado?

Muitas vezes perguntamos: "O que está errado?” Ao fazê-lo, convidamos dolorosas sementes de mágoa a se manifestarem. Sentimos depressão, raiva, sofrimento e produzimos mais sementes dessa natureza. Seríamos muito mais felizes se tentássemos nos manter em contato com as sementes saudáveis, alegres, dentro de nós e à nossa volta. Deveríamos aprender a perguntar "O que não está errado?" e a manter contato com a resposta. Há tantos elementos no mundo e no nosso corpo, sentimentos, percepções e consciência, que são saudáveis, revigorantes e medicinais. Se nos bloquearmos, se ficarmos na prisão da nossa tristeza, não entraremos em contato com esses elementos salutares.

A vida está repleta de maravilhas, como o céu azul, a luz do sol, os olhos de um bebê. Nossa respiração, por exemplo, pode ser muito prazerosa. Eu aprecio minha respiração todos os dias. Muitas pessoas, porém, só descobrem a alegria de respirar quando têm asma ou nariz entupido. Não precisamos esperar uma crise de asma para apreciar nossa respiração. A mente alerta para os preciosos elementos da felicidade é em si a prática da correta conscientização. Esses elementos estão dentro de nós e ao nosso redor. Podemos apreciá-los a cada segundo das nossas vidas. Se agirmos assim, serão plantadas em nós sementes de paz, alegria e felicidade, e elas se fortalecerão. O segredo da felicidade é a própria felicidade. Onde quer que estejamos, à hora que for, temos a capacidade de apreciar o sol, a presença do outro, a maravilha da respiração. Não temos de viajar para nenhum lugar para isso. Podemos entrar em contato com esses elementos neste exato instante.

Quando plantamos alface e ela não cresce bem, não pomos a culpa na alface. Investigamos os motivos que a levaram a não se desenvolver. Pode ser que ela precise de mais adubo, mais água ou menos sol. Nunca pomos culpa na alface. No entanto, se temos problemas com nossos amigos ou com nossa família, culpamos os outros. Se soubermos como cuidar das pessoas, elas também se desenvolverão, como a alface. A culpa não produz nenhum efeito positivo, da mesma forma que as tentativas de persuasão pelo raciocínio e pela discussão. Essa é a minha experiência. Nada de culpa, nada de raciocínio, nada de discussão; apenas a compreensão. Se compreendermos e demonstrarmos que compreendemos, o amor se torna possível e a situação se modifica.

Um dia, em Paris, dei uma palestra sobre a ausência de culpa da alface. Depois da palestra, estava só, em meditação andando, quando virei uma esquina e ouvi uma menina de oito anos falando com a mãe, "Mamãe, lembre-se de me regar. Eu sou a sua alface." Fiquei extremamente feliz por ela ter compreendido tão bem minha mensagem. Ouvi, então, a resposta da mãe. "E, minha filha, e eu também sou sua alface. Não se esqueça de me regar também." A mãe e a filha praticavam juntas. Foi muito bonito.

A compreensão

A compreensão e o amor não são dois sentimentos, mas um só. Imagine que seu filho acorda um dia, de manhã, e vê que já é bem tarde. Ele resolve acordar a irmãzinha para que ela tenha tempo de tomar o café da manhã antes de ir para a escola. Acontece que ela está de mau humor e, em vez de lhe agradecer pelo fato de tê-la acordado, ela lhe diz para calar a boca, deixá-la em paz e lhe dá um pontapé. É provável que seu filho se zangue, pensando, "Fui gentil ao acordá-la. Por que ela me chutou?" Ele pode sentir vontade de ir até a cozinha para lhe contar tudo, ou até mesmo pode revidar.

No entanto, quando ele se lembrar que, durante a noite, a irmã tossiu muito, perceberá que ela deve estar doente. Talvez ela tenha se comportado de forma tão intratável por estar resfriada. Nesse momento, ele compreende, e sua raiva desaparece. Quando compreendemos, não podemos deixar de amar. A raiva não nos atinge. Para desenvolver a compreensão, é necessário que pratiquemos a atitude de ver todos os seres humanos com os olhos da compaixão. Quando compreendemos, amamos. E quando amamos, agimos naturalmente de forma que amenize o sofrimento das pessoas.

(Do livro Paz a Cada Passo – Thich Nhat Hanh)

sábado, 3 de outubro de 2009

Roda do Dharma


Sábado passado, eu e Rita fizemos um curso de pintura de símbolos auspiciosos budistas, em São Paulo.

Passamos a manhã ouvindo uma palestra sobre budismo e sobre a atividade que faríamos. Depois, escolhemos os símbolos a serem pintados. A ideia era tentar escolher não o que achássemos mais bonito, mas o que se mostrasse para nós. Fazer a escolha tentando se despir de qualquer coisa que se assemelhasse a uma opinião.

Eu e Rita acabamos escolhendo o mesmo símbolo: a Roda do Dharma.

O Dharma é o conjunto de ensinamentos deixados pelo Buda histórico. Acionar a Roda do Dharma significa colocar em movimento a doutrina do Buda. A ideia é sair da Roda do Samsara - que é nossa condição corriqueira de altos e baixos, felicidade e tristeza, julgamentos - e entrar na Roda do Dharma, gerando carma positivo, praticando compaixão ilimitada e reconhecendo a impermanência de tudo o que não é a verdadeira natureza da mente.

Nós realizamos a pintura desse belo símbolo em um tecido. Depois, fizemos uma meditação na qual pedimos a todos os Budas que abençoassem o tecido com a Roda do Dharma e que ele pudesse beneficiar todos os seres vivos.

Começamos dedicando nosso trabalho aos Budas, depois a nós mesmos, aos nossos pais, aos parentes, aos amigos mais próximos, aos amigos mais distantes, aos colegas, aos colegas dos colegas, a pessoas que não conhecemos, a pessoas em outras cidades, em outros países, a todos os seres que existem...

Foi realmente um dia muito prazeroso, com uma sensação de algo sagrado no ar e uma energia muito positiva sendo gerada. Recomendo a todos os que quiserem participar desse curso, que acontece regularmente. Não é preciso ser budista nem saber sobre budismo. Apenas ter a mente aberta e o coração amoroso.

Aí está minha Roda do Dharma. Ou melhor, nossa Roda do Dharma - de todos nós e também de todos os que não a veem aqui.



Os tibetanos colocam suas bandeiras com os símbolos budistas do lado de fora de suas casas, na frente delas, na janela... Fazem isso para que esses símbolos beneficiem todos, não apenas quem está dentro da casa. Isso inclui, por exemplo, passarinhos que passem por perto da bandeira...

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Beds are burning


Vídeo da campanha encabeçada pelo Kofi Annan sobre a importância da conferência do clima em Copenhague:



É uma releitura de uma música do Midnight Oil. É possível baixar a música no site http://www.timeforclimatejustice.org/.

Li num site: "Cada música baixada contará como uma petição digital exclusiva com as pessoas assinando seus nomes para exigir que os líderes mundiais cheguem a uma negociação ambiciosa, justa e global na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Copenhague".

Bora lá?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ao poeta calado


Acalentaste os clamores da cidade
destilando ternuras do tédio que trai o dia.

Em teu canto
a matéria que gera vida
não sucumbe ao pranto,
alimenta um ardor que comove e abriga.

Jardineiro do silêncio,
plantaste olhares que lágrimas regam.
Colherás flores de esperança e afeto.

domingo, 27 de setembro de 2009

As melhores poesias de todos os tempos de hoje


Por muito tempo procurei a verdade
                                               Bertolt Brecht

1

Por muito tempo procurei a verdade sobre a vida dos homens entre si
Esta vida é muito complicada e difícil de compreender
Trabalhei duramente para compreendê-la, e então
Disse a verdade, como a encontrei.

2

Quando havia dito a verdade tão difícil de encontrar
Era uma verdade comum, que muitos disseram
(E nem todos acham tão difícil).

3

Pouco depois vieram pessoas em grande número, com pistolas distribuídas
E atiraram cegamente em todos que não tinham chapéus por serem pobres
E a todos que haviam dito a verdade sobre eles e os que os financiavam
Expulsaram do país no décimo quarto ano da nossa meia-República.

4

Tomaram-me minha pequena casa e meu carro
Que eu havia ganho com muito trabalho.
(Meus móveis ainda pude salvar.)

5

Ao cruzar a fronteira pensei:
Mais que de minha casa preciso da verdade.
Mas preciso também de minha casa. E desde então
A verdade é para mim como uma casa e um carro.
E eles me foram tomados.


Sobre a violência
                   Bertolt Brecht

A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito de rio que a contém
Ninguém chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?


quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Jane's ou Iggy?


No post anterior, eu disse que em novembro haverá um festival com Jane's Addiction e Faith no More.

Agora descobri que no mesmo dia - exatamente no mesmo dia - haverá outro festival com Primal Scream, Sonic Youth e - o melhor - Iggy Pop & The Stooges...

Inacreditável, os caras marcaram os dois festivais para o mesmo dia, em São Paulo. Um prejudica o outro, ambos perdem público.

E agora, qual a melhor pedida?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Lollapalooza no Brasil!


Grande notícia!

Perry Farrell, vocalista do Jane's Addiction, trará o Lollapalooza ao Brasil. Ainda não tem data ou local, mas é demais pensar que teremos aqui um dos melhores - se não o melhor - festivais de rock do mundo.

Vejam a notícia: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u627934.shtml.

Ah, em novembro teremos Jane's Addiction e Faith no More em Sampa, hein!

Bora lá?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A melhor poesia de todos os tempos de hoje


Meu irmão costuma garimpar vídeos de bandas na Internet. Quando ele disponibiliza algum vídeo no blog dele (Boteco do Ribeiro), o nome do post é "A melhor música de todos os tempos de hoje".

Gostei tanto que passarei a usar aqui, dando o devido crédito, mas sem pagar nenhum copyright.

Esta é a melhor poesia de todos os tempos de hoje. Do português José Régio.


Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Quem é o mestre?


Sempre quis aprender a tocar um instrumento. Gosto muito de música, desde o rock anos 60/70 até o jazz e o blues, desde a MPB até o trip hop.

Nas poucas vezes em que tentei, desisti rapidamente. Violão, violino, flughorn... Não passei de uns três meses. Sempre a mesma sensação de que não nasci para isso, não tenho ritmo nem afinação para cantar, não tenho a coordenação motora necessária... Sempre a sensação de incapacidade.

Olhando em retrospectiva, hoje acho que isso acontecia porque eu não queria apenas aprender a tocar - eu queria fazer parte do novo Led Zeppelin, ser o novo Hendrix, cantar como Eric Burdon. Imaginava pegar a estrada, fazer shows e me entupir de drogas. Ser mundialmente reconhecido e famoso. Como minha expectativa e autocrítica eram exacerbadas, nos primeiros terríveis acordes eu já achava que não daria certo. E a empolgação morria.

Agora, a história mudou. Com o tempo, percebi que não é preciso ser reconhecido ou famoso mundialmente. Não é preciso sequer ser muito bom no instrumento. Só é preciso curtir, estar feliz por tirar som daquele objeto que estamos manuseando. A experiência beneficia sobretudo quem a experimenta. Se os outros, que a assistem, estarão lá ou não, são outros quinhentos. É consequência.

Como eu percebi isso? Certo dia, encontrei uma ex-namorada que não via há tempos, e ela me disse que os poemas que eu escrevia - e que jamais foram publicados - a haviam feito mudar de vida e decidir trabalhar ensinando arte a crianças carentes. Em outra ocasião, outra amiga me disse que os filmes e os diretores de cinema que eu apresentei a ela ajudaram-na a conseguir um emprego em uma locadora de vídeo. Uma amiga e um amigo se casaram depois que eu a indiquei para um emprego onde ele trabalhava. E por aí vai.

Esses pequenos e grandiosos fatos, que acontecem em nossa vida conforme amadurecemos, mostraram a mim que somos todos mestres, e não apenas aqueles que alcançam sucesso e reconhecimento internacional. Somos mestres de nós mesmos. Se eu me tornar mestre de mim, tentando realizar o que me faz feliz - como tocar um instrumento, por exemplo -, eu poderei irradiar felicidade e amor para aqueles que estão a minha volta, e poderei ajudá-los. Eu serei o maestro de minha vida, que, se bem regida, pode ajudar toda a orquestra da qual eu faço parte a alcançar a harmonia.

É por isso que hoje à noite começarei as aulas de piano. Se eu aprender a tocar a música do danoninho, já está valendo. 



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Astrologia e a Educação

Nesta fase da vida em que me encontro, dando um megulho em mim para saber um pouco melhor quem eu sou, uma das atividades que mais me têm dado prazer é o estudo da astrologia. Estou fazendo um curso básico com uma astróloga aqui do bairro, muito competente e gente finíssima.

Fico triste apenas por não poder dedicar mais tempo ao estudo, em casa, dada a avalanche de trabalhos, remunerados ou voluntários, quem vem assolando minha vida, para o bem e para o mal. Mas, aos poucos, vou chegando lá.

Minha professora emprestou-me os livros Astrologia, psicologia e os quatro elementos, de Stephen Arroyo, e As doze casas, de Howard Sasportas. Eles devem ajudar-me na tarefa de interpretar meu mapa natal e apresentar para o grupo. Às vezes dá nó na cabeça, mas acho que tenho conseguido avançar.

O caso é que ontem eu fiquei lendo o livro do Arroyo enquanto esperava a Júlia sair do balé - ela tem 12 anos e está enlevada com a dança! O autor explica que certos signos correspondem, de certa forma, às nossas fases de educação e "crescimento mental-espiritual". Vejam os trechos a seguir.

VIRGEM representa o período de serviços prestados à sociedade, a aprendizagem com um mestre na profissão com a qual a pessoa ganhará seu sustento e o contato inicial com o mundo prático, cotidiano do trabalho pesado, dos deveres e das responsabilidades. Essa fase de crescimento pessoal é quase inteiramente esquecida na nossa cultura. Daí acontecer que temos milhares - talvez milhões - de pessoas jovens, com curso superior, que recebem o diploma e ficam estarrecidas ao perceber que não têm possibilidade realmente de fazer nada. Sua educação superior lhes encheu as cabeças com volumes de ideias inúteis e, frequentemente, impraticáveis; e nesse meio-tempo eles não adquiriram nenhuma habilidade real, com a qual pudessem por em prática os conhecimentos teóricos. Uma vez que muitos desses indivíduos agora são, no mínimo amadores eruditos ou intelectuais, torna-se difícil e frustrante recuarem da fase da nona Casa, da educação superior, para a fase da sexta Casa, da labuta e da servidão. (...)

SAGITÁRIO simboliza a fase de desenvolvimento que se desenrola naturalmente a partir da fase Virgem de aprendizagem. Frequentemente se diz que Sagitário e a nona Casa representam a "educação superior"; mas, no geral, esse signo simboliza a conquista da perícia pessoal no campo escolhido, quer sua manifestação seja sob a forma de um artesão perito ou de um profissional de uma das profissões que são gabadas com tanto alarde. Essa é uma fase de educação individual em que começamos a ter um efeito marcante sobre o mundo em geral, quer ensinando novos aprendizes, quer publicando o fruto dos nossos trabalhos, ou então estabelecendo normas para as gerações futuras. Portanto, essa fase de desenvolvimento tanto inclui o aprender (no sentido de aperfeiçoar o nosso trabalho, o nosso caráter e os nossos ideiais) quanto o dispor daquilo que aprendemos. Nos Estados Unidos, na educação tradicional, presumimos, erroneamente, que alguém com um diploma de doutor em filosofia ou em medicina, ou qualquer outro título, é um mestre no seu campo. Esquecemos o fato de que a verdadeira perícia de mestre só vem depois de um período de rigorosa autodisciplina, de trabalho fatigante e meticuloso, e do desenvolvimento gradual da humildade, baseada na percepção de que a pessoa nada poderia saber, realmente, sem o trabalho dos seus predecessores. Só porque canalizamos as pessoas, o mais rapidamente possível, através de todos os tipos de programas educativos, a fim de "produzir" tantos doutores em filosofia ou em medicina, isso não significa que tenhamos enriquecido nossa cultura com um número igual de verdadeiros mestres. Nós sacrificamos a qualidade pela quantidade simplesmente para manter a ilusão de que a excelência pode ser comprada por um preço barato.

O livro é de 1975.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Padrão


redimido

poupo restos reclamados

fogo-fátuo
deixo rasto de passado
em seu olfato

troco de roupa como de corpo

mais um cigarro aceso

a coxa entreaberta
não cicatrizada

depois apago

o corpo não tem tato

(Mais um da época dos vinte e poucos anos.)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ferreira Gullar

Um dos melhores poetas nacionais! Visceral.

Estes foram pinçados do livro Toda Poesia, mas são originalmente do A Luta Corporal. Trata-se de trechos do poema Sete Poemas Portugueses.


4

Nada vos oferto
além destas mortes
de que me alimento

Caminhos não há
mas os pés na grama
os inventarão

Aqui se inicia
uma viagem clara
para a encantação

Fonte, flor em fogo,
que é que nos espera
por detrás da noite?

Nada vos sovino:
com a minha incerteza
vos ilumino

6

Calco sob os pés sórdidos o mito
que os céus segura - e sobre um caos me assento.
Piso a manhã caída no cimento
como flor violentada. Anjo maldito,

(pretendi devassar o nascimento
da terrível magia) agora hesito,
e queimo - e tudo é o desmoronamento
do mistério que sofro e necessito.

Hesito, é certo, mas aguardo o assombro
com que verei descer de céus remotos
o raio que me fenderá no ombro.

Vinda a paz, rosa-após dos terremotos,
eu mesmo juntarei a estrela ou a pedra
que de mim reste sob os meus escombros.

domingo, 13 de setembro de 2009

Tomando refúgio

Conheci o budismo quando tinha uns 20 anos. Eu era um leitor voraz - hoje consigo menos tempo, mas ainda leio muito - e resolvi conhecer um pouco da obra do alemão Hermann Hesse. Li primeiro O lobo da estepe, um de meus livros prediletos. Depois li Siddharta e Minha vida. E é aí que começa o assunto deste texto.

Hesse passou parte de sua vida na Índia, onde tomou contato com o budismo e o bramanismo. Não encontrou as respostas que procurava, mas gostou do que viu. Em Siddharta, ele faz uma narrativa ficcional em que conta parte da vida do Buda histórico, o príncipe Sidarta Gautama, que abdicou de sua vida abastada quando conheceu o sofrimento humano. Ele meditou até atingir a iluminação. Seu ensinamentos deram início às tradições e escolas budistas. Em Minha vida, ele conta suas experiências relacionadas às religiões orientais.

Esses livros despertaram em mim uma simpatia pelo budismo, um desejo de conhecê-lo. Mas eu era bem jovem e segui outros rumos.

Tempos depois, cerca de quatro anos atrás, fiz uma amizade muito bela e sincera com uma colega de trabalho, a Carline, que enveredava pelos ensinamentos do budismo. Conversamos muitas vezes sobre isso, e em diversas ocasiões estive prestes a ir ao local onde ela realizava suas práticas, um centro budista na cidade de São Paulo. Acabei não indo, mas foi ela quem plantou a sementinha em mim, e a ela eu devo essa minha iniciação no caminho.

Quando veio a mudança para Botucatu, no fim do ano passado, eu tive a certeza de que não levaria isso à frente. Eu iria morar em um bairro com grande influência da antroposofia, uma belíssima ciência espiritual desenvolvida pelo austríaco Rudolf Steiner... Buscando uma vida mais digna, mais condizente com meus valores e meu espírito. Enfim...

Aí veio a surpresa. Não é que, poucos meses depois de me mudar, recebo um email de um grupo de estudos budistas? Um centro da escola Karma Kagyu - uma das mais tradicionais escolas budistas - sediado justamente em Botucatu!

É o único centro Kagyu em uma cidade de interior em todo o Brasil. Coincidência? Sei não...

Agora, estou frequentando os encontros, meditando com esse pessoal e lendo muito sobre budismo. Comecei, também, a Prática do Pequeno Refúgio, uma espécie de iniciação para testar e fortalecer minha vontade de praticar em minha vida os ensinamentos da escola. No Pequeno Refúgio, afirmo para mim que desejo tomar refúgio no Lama, em Buda, no Dharma e nos Bodhisattvas.

Tomar refúgio significa "despositar suas esperanças e expectativas", é como reafirmar que você acredita naquele caminho para sua vida. O Lama, no caso dessa prática, nessa escola budista, é o XVII Karmapa - ou seja, o Lama que era a décima sétima encarnação do primeiro Karmapa, que foi o primeiro lama tibetano a reencarnar conscientemente. Buda é o Buda histórico, Sidarta Gautama. O Dharma é o conjunto de ensinamentos budistas. Os Bodhisattvas são nossos amigos no caminho, aqueles que já alcançaram certo desenvolvimento e nos ajudam em nossa trajetória.

Na Prática do Pequeno Refúgio, repetimos diversas vezes, em voz alta, nosso desejo de tomar refúgio no Lama, em Buda, no Dharma e nos Bodhisattvas, por bastante tempo. É incrível, eu sinto muuuuuuito calor durante a prática. Parece que meu corpo se aquece imensamente, começo a suar em bicas e, no momento em que a prática termina, esse calor cessa. Realmente impressionante, uma energia bem forte.

Esse começo de caminhada no budismo tem sido muito agradável e muito desafiador, também, pois reforça em mim o desejo de rever algumas posturas e hábitos dos quais eu já queria me livrar há tempos. Ao mesmo tempo, por não ostentar dogmas punitivos e hierarquias ditatoriais, sabe muito bem a um cara como eu, que sempre se inclinou mais à esquerda e à desobediência civil, apesar de minha completa inabilidade para enfrentamentos e minha tendência natural para a diplomacia, para o apaziguamento dos ânimos. Talvez seja um caminho para praticar a liberdade associada à compaixão - ou seja, uma esquerda sem ditadura.

Veremos. Por hora, tem sido muito gratificante.

Namastê!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Dez anos depois


I

Fui um dia sempre cético.

Três ave-marias e dois pais-nossos
que estais no céu:
Deus me livre!

Casa-trabalho-frela-crianças-benhê!!!
Eu é que nunca,
quimera.

Rapaz comportado a puta-que-o-pariu!

Pra mim, prazer.
Rage Against the Machine,
despertencer.

Vômito-sexo-vodka-Marx-maconha
eu ia dizendo.

Não necessariamente nessa ordem.

II

Rompi com meu umbigo
e a razão é de Raul,
o zito.

Metamorfose
das plantas
dos animais
da alma:
ciência não explica.

Metamorfoseio eu,
que nunca fui covarde.

Que não sou homem de palavra
- de palavras.

O avesso do avesso.

Não o de Caetano,
que fique bem entendido.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Recado aos amigos que me querem no Twitter

Eu tu wito
Tu tu witas
Ele tu wita
(...)

Este verbo não se conjuga no plural.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Dia triste

"As árvores são solo em pé", diria o professor João, um grande mestre que tive no curso de agricultura biodinâmica, aqui no bairro, com quem ainda tenho o prazer de trocar umas palavras vez ou outra.

Estudando agricultura e sistemas agroflorestais, sustentabilidade e budismo, antroposofia e biologia, aprendi a respeitar demais as árvores. Morando aqui na Demétria, um lugar muito especial, aprendi a amá-las.

Na frente de casa há uma jurubeba. Ela é linda, aninha passarinhos e abriga morcegos à noite, além de nos presentear com a delicadeza de suas flores e frutos. É uma grande companheira.

Aqui está, apesar de as fotos não fazerem jus a ela.





Talvez ontem ela tenha morrido. O temporal que deu aqui partiu ela ao meio. Senti como se eu tivesse partido ao meio.

Acho que finalmente começo a entender o que significa a palavra vida. Não está nos dicionários ou nas gramáticas, não se aprende nas aulas de biologia ou de química orgânica. É outra coisa, muito mais sutil e profunda.

Agora, que a chuva deu um tempo, estou indo atrás de umas estacas. A ideia é levantá-la (a copa foi parar no chão) e amarrar os três pedaços em que seu tronco se dividiu. Será que uma fênix virá abençoá-la?

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Carcomido

Lembrança acalentada
queima a entranha

Bílis na garganta
um gosto insensato
de passado

Carcomido

Só um blues que desatasse os laços
costurasse os trapos
desgarrados

Ah! Essa melodia rasteira
vida cozida em banho-maria

à espreita

Invadiu a casa
transbordou as paredes
alojou na sétima vértebra
a existência ruminada


(Esse foi cometido aos vinte e poucos anos)

Manoel de Barros

Poeta pantaneiro. Estes são trechos de poemas do O livro das ignorãças.

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.

3.5

A lua faz silêncio para os pássaros,
- eu escuto esse escândalo!
Um perfume vermelho me pensou.
(Eu contamino a luz do anoitecer?)
Esses vazios me restritam mais.
Alguns pedaços de mim já são desterro.
......................................................................
(É a sensatez que aumenta os absurdos?)
De noite bebo água de merenda.
Me mantimento de ventos.
Descomo sem opulências...
Desculpe a delicadeza.

VII

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores suspresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.

XII

Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:
I abridor de amanhecer
I prego que farfalha
I encolhedor de rios - e
I esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua incompletude?)

domingo, 6 de setembro de 2009

Nós e os animais

O trecho abaixo faz parte de um ensaio do escritor inglês Julian Barnes, presente no livro Não há o que temer, da editora Rocco. Na verdade, não gostei do ensaio como um todo nem da postura do autor. Até me deixou irritado.

Obviamente, isso significa que mexeu comigo de alguma forma. Ele é ácido e sarcástico. Mas esse trecho é mesmo pra pensar a respeito. Deem uma olhada. Eu li na edição de agosto da revista piauí.

"(...) Na Idade Média, costumavam mandar animais a julgamento - gafanhotos que destruíam plantações, carunchos que destruíam as vigas das igrejas, porcos que jantavam bêbados caídos na sarjeta. Às vezes, o animal era levado ao tribunal, às vezes (como acontecia com insetos) era julgado necessariamente in absentia. Havia um julgamento completo, com promotoria, defesa e um juiz de toga, que podia ordenar uma variedade de punições - liberdade condicional, banimento, inclusive excomunhão. Às vezes até mesmo execução judicial: um porco podia ser enforcado por um funcionário do tribunal de luvas e capuz.

"Tudo isso parece - agora, para nós - incrivelmente estúpido, uma expressão da incompreensível mente medieval. Entretanto, era perfeitamente racional e perfeitamente civilizado. O mundo foi feito por Deus, e, portanto, tudo o que acontecia nele ou era uma expressão do desígnio divino ou uma consequência do livre-arbítrio que Deus concedeu à Sua criação. Em alguns casos, Deus podia utilizar o reino animal para castigar Sua criação humana: por exemplo, mandando uma praga de gafanhotos, que o tribunal tinha, portanto, a obrigação legal de declarar inocentes. Mas e se um bêbado caía numa vala, tinha a metade do rosto comido por um porco e o ato não podia ser interpretado como ordenado por Deus? Era preciso encontrar outra explicação. Talvez o porco estivesse possuído pelo demônio, que o tribunal poderia expulsar. Ou talvez o porco, embora não tivesse livre-arbítrio, pudesse ser, mesmo assim, considerado responsável pelo que tinha acontecido.

"Para nós, isto pode parecer mais uma prova da engenhosa bestialidade humana. Entretanto, há outra maneira de interpretar: como uma elevação do status dos animais. Eles eram parte da criação de Deus e dos desígnios de Deus, não simplesmente colocados na Terra para prazer e uso do Homem. As autoridades medievais levavam os animais a julgamento e avaliavam seriamente seus atos criminosos; nós colocamos animais em campos de concentração, os enchemos de hormônios e os retalhamos de forma que eles nos façam lembrar o mínimo possível algo que um dia grasnou ou baliu ou mugiu. Qual dos mundos é o mais sério? Qual o mais avançado moralmente?"

Seria cômico, se não fosse trágico, não é?

O porquê do título

Fruto de meus 19 anos, mais ou menos. Homenagem aos poetas que mais admirava naquela época. Gente como Drummond, Pessoa, Cecília Meireles...


CORAÇÃO NA PRAIA

I

Do desejo embebido no tédio
construo um Ideal sem amargura
nem realização.

Arranco à Peste meus disfarces,
e passeio despojado em meio à turba.

Sozinho como se soubesse que ninguém retornou.

Faço extinto o prazer - quero estar só -
e num momento retomo a realidade
com certa satisfação.

Saio de um torpor matutino
e reconheço que nem isso importa,
já que estou com pressa e me esperam na repartição.

Consciente como se tivesse perdido uma batalha.

Não reclamo, não me escondo,
trabalho secretamente meu Ideal,
barco à deriva, volúpia explodindo,
cabelo ao vento e coração na praia.

Perdido como se soubesse aonde vou.

II

Atravesso o dia em passos retos
e estreito a distância entre o desgosto e a noite.

Perambulo ébrio na espiral do degredo
e me perco, me exponho,
visto meu disfarce noturno,
menos mito mais véu,
e coleciono Deuses em rituais profanos.

Ferido como se amasse a navalha que cortou.

Fel ou felicidade,
desespero ou consonância...
Não importa.

Sou poeta mas não finjo,
perdi o destino mas sigo um Ideal.

E baixados os panos, finda a peça,
vou tomar um porre,
depois inauguro outro Teatro
e não falto aos ensaios.

Culpa do meu irmão

Sempre pensei se queria ou não criar um blog. Gosto de escrever, mas sempre suspeitei de que não tenho nada interessante a contar.

O fato é que meu irmão me encheu o picuá pra fazer um blog meu. Pensei: "Bom, pelo menos ele vai ler". Como estamos longe, agora - ele mora em Sampa -, é um jeito de sabermos um do outro. O resto é lucro.

Então taí.